- Olhe lá, Siv – Começou Catherine cutucando as costelas de
sua amiga com o cotovelo.
- Olhar o quê? – Respondeu desinteressada, sem nem ao menos
tirar o olhar dos pratos que pegava e empilhava nos braços com destreza.
- O carinha estranho. Aquele com óculos engraçados.
Imediatamente Sylvia
entregou os pedidos prontos nas mãos de Cathy, que sorria de sua reação, e
procurou com os olhos a mesa três. Pontual como sempre, lá estava seu cliente
favorito. Não sabia seu nome, sua idade, nada, mas sabia que ele gostava de ler
e que provavelmente freqüentava alguma faculdade da cidade. Admirava-o de
longe, e fazia de tudo para sempre atendê-lo da melhor forma possível. Respirou
fundo, arrumou a saia e alisou o avental branco, respiração descompassada e as
maçãs do rosto suavemente coradas. Deu um passo e parou. “Ah, o cabelo!” Com as
mãos um pouco trêmulas, penteou os cabelos o melhor que pôde, e com a
determinação renovada, retomou sua marcha triunfal até a mesa onde ele estava
sentado. Seus sapatos boneca pretos e perfeitamente limpos faziam pouco barulho
enquanto ela se dirigia a mesa três, sorrateira como um gato. Se deu o direito
de observar um pouco mais seu ídolo. Gostava de tudo. Achava aquele cachecol
que não combinava com o suéter um charme. Tinha cabelos castanhos lisos, sem
corte algum, um pouco grande demais, de maneira que lhe cobria os olhos
enquanto lia um livro tão grosso quanto um dicionário de bolso. Sempre tinha
vontade de estender a mão e arrumá-los, mas depois voltava à realidade e
entendia que uma garçonete definitivamente
não podia acariciar os cabelos de seu cliente. Pigarreou baixinho para chamar
sua atenção (e para por um fim aos seus próprios devaneios).
- Bom dia, senhor. O
mesmo de sempre, eu suponho?
Fechando o livro, o garoto de olhos cor de nada e expressão
de menos ainda encarou a garçonete. Analisou-a: Cabelos negros e ondulados
caindo pelas suas costas. As mãos, finas e secas por causa do trabalho, estavam
com os dedos entrelaçados. Parecia um pouco nervosa, mas não o tipo de nervoso
que geralmente causava nas pessoas. Achou ao mesmo tempo frustrante e curioso.
Suspirou, ajeitou os óculos que eram de seu pai (agora grandes demais para seu
rosto) e perguntou, a voz um pouco grave e sem um pingo de vida. “Seca”. Esse é o adjetivo que a garota sempre procurava.
- Como assim, o de sempre?
Sentiu uma pontada de felicidade, mas não deixou
transparecer. Era a primeira vez que a olhava. Recitou o pedido contando nos
dedos todos os itens.
- Ovos mexidos, chocolate quente não muito quente, uma canoa
e meia com bastante manteiga, salada de frutas sem mamão ou melão – ele piscou
– e um chiclete de cereja. – Ela apertou os lábios tentando não sorrir e
levantou as sobrancelhas em desafio.
- Hoje está muito quente, troque o chocolate por um suco de
maracujá coado e com açúcar, por favor – E voltou ao seu livro enorme.
- Certamente – Com seu ego inflado como um balão, ela foi de
passos leves para a cozinha entregar o pedido.
·
- Não sei como você consegue. Ele é muito chato – Siv disse com
visível desgosto quando Cathy avisou que iria sair com seu namorado.
- Ele é lindo – Respondeu ela, que nem ligava mais para os
constantes ataques críticos de Sylvia. Passava seu blush sem se perturbar,
fazendo caras entranhas para o espelho no banheiro do restaurante – E, além
disso, ele tem amigos que acham você bem bonitinha. Quem sabe você não gosta de
algum deles?
Sylvia torceu ainda mais o nariz enquanto observava a outra
garçonete mexer com uma precisão médica naqueles pincéis, escovas e todos os
outros apetrechos de maquiagem. Ela sempre os associou a instrumentos de
tortura e não entendia como Cathy tinha tanta paciência para usá-los.
- Eu não quero ninguém que me ache bonitinha. Eles são todos enormes, estúpidos e musculosos... –
Catherine lhe fuzilou com o olhar, como se dissesse: “Esse é o objetivo” – Você sabe que eu não gosto desse tipo.
Cathy suspirou, seus cabelos loiros caíram um pouco em seu
rosto.
- Sylvia.
- Saiu.
- Sylvia.
- Não me venha com esse papo!
- Não me venha VOCÊ com esse papo! Siv, você não gosta de
NENHUM tipo!
- E daí?! Não entendo essa sua necessidade de encontrar um
par para mim.
- Eu não agüento ver você sozinha enquanto todas as pessoas
que conhecemos saem, fazem coisas divertidas, e você fica em casa lendo. – Fazia caras e bocas para
demonstrar a profundidade daquilo, mas era frustrante ver como nada daquilo
funcionava com aquela teimosa criatura.
- Eu gosto de ler! – Suspirou – Olhe a hora Cathy, você vai
se atrasar para seu encontro com seu príncipe encantado. Que aliás, é tão cavalheiro que nem se
oferece para te buscar – Murmurou ao
cruzar os braços.
“A imagem da criança
teimosa. Como é que ela pode ter 19 anos, eu me pergunto...” – Pensou
Catherine.
A loira olhou para ela como uma mãe preocupada. Estava
acostumada também com os murmúrios e resmungos.
- Eu tenho um, e você?
- Tenho vários. E são todos tão obedientes que não saem da
prateleira, nem mesmo quando fico muito tempo fora de casa.
Cathy riu e lhe deu um beijo na testa. Não era difícil,
sendo ela no mínimo uns dez centímetros mais alta que sua amiga.
Sylvia acenou enquanto Catherine andava com seus saltos
muito altos na calçada úmida e brilhante por causa da luz dos postes. “Não
quero pegar um ônibus. Se economizar esse dinheiro, amanhã talvez eu consiga
comprar tintas novas.” Animou-se com a idéia e depois de acenar um rápido boa
noite para Kob, dono da lanchonete, virou-se para ir para casa. Ficou sonhando
com as possíveis cores que poderia comprar. Ou será que ela queria pincéis
novos? Quem sabe a loja teria alguma novidade?
Tanto ela devaneou que nem percebeu estar sendo seguida.